Desta vez fui eu que não fui. Vi-te entrar no café, sentar no canto, arrumar o colarinho. Com o perfume que te dei, depois da nossa primeira tarde juntos, pousaste as flores na mesa e olhaste a caixa de veludo vermelha. Apenas por debaixo da mesa, abrindo-a com cuidado, como se dali saltasse um reino de fantasia. Observaste o casal ao teu lado, a criança que não parava quieta no banco, o marido impaciente perante um menino choroso e uma mãe passiva:”nunca seremos assim” pensaste. Sei que o pensante. Vi-o nos teus olhos. Embora não visses os meus. Os minutos passaram, vi-te fumar os cigarros que nunca admitias, intervalados pelo meu, que passou a ser também o teu, chá predilecto. O de frutos silvestres. Desististe depois de duas horas. Ligaste e eu não atendi, apesar de te ver esperar por mim do outro lado do vidro. Vi-te ligar-me, senti o telemóvel vibrar no bolso do casaco que me deste no ultimo natal. Aquele rosa que via todos os dias na montra da loja da cidade. Regressaste a casa cabisbaixo, deste as flores a uma mulher que te pedia apenas dinheiro. Segui-te pela rua mal iluminada. Apanhei cada uma das lágrimas que deixaste no chão. Olhaste para trás várias vezes. Percebeste que te seguia. Não sei qual a desculpa de amanhã, nem sei se amanhã vou estar lá. Na mensagem que me deixaste. Não sei porque não sei, não sei se sei porque não fui. Não te abracei nem quis ver o que tinhas para mim nessa caixa da cor das rosas que deste à mulher. Que nada te queria mais do que umas moedas. Nem mesmo atenção. Acho que te pedia nada, por isso lhas deste. Ou apenas para não as pores na lata velha, deixando-as queimar com uma neve que ainda não cai.
Guardaste o veludo num cofre frio, cinza. Penduraste-me junto com o casaco, depois do beijo à mãe, que veio à porta pra te receber, estranhando ver-te sozinho, de olhos tristes. Fiquei entre casacos, cachecóis e chapéus, levaste apenas a desilusão de te dares demais. E até essa ficou no cofre, com o veludo e o mundo de sonhos. Sentaste no sofá, o telemóvel caiu de um bolso demasiado pequeno. Ligas-me mais um vez, vejo a luz passar o forro também rosa, o do meu casaco de Inverno. Ajeito o cachecol e recomeço a andar. Rumo a casa.
Rumo a mim, que sem ti apenas sobrevivo. Mesmo não querendo saber o que escondem as flores, nem a caixa. Pequena. Vermelha. E de veludo.
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